A crise no sistema prisional brasileiro expõe uma série de problemas nos presídios brasileiros. O colapso desse sistema há muito tempo vem sendo anunciado pelas defensorias públicas e organismos internacionais de direitos humanos.
São diversos os fatores que geraram o desastre que presenciamos nas últimas semanas, como a superlotação carcerária, a cultura de aprisionamento que prevalece no Judiciário e na sociedade e a atual legislação penal quanto aos crimes de tráfico e porte para uso de drogas.
Porém, há outro fato que é uma das principais causas para o caos penitenciário: o deficit de defensores públicos no Brasil.
Segundo dados levantados pelo Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, os Estados contavam em 2016 com 5.873 defensores públicos, um para cada 967,6 mil habitantes. O deficit fica ainda mais claro quando comparado ao número de membros das demais instituições do sistema de Justiça: cerca de 12 mil magistrados e 10 mil membros do Ministério Público.
Assim, na absoluta maioria das comarcas brasileiras, a população conta apenas com o Estado-juiz e com o Estado-acusação, mas não com o Estado-defensor, que promove a defesa dos interesses jurídicos da grande maioria da população, que é financeiramente hipossuficiente e não pode contratar um advogado particular.
No Estado de São Paulo, a situação não difere do restante do país, pois temos cerca de 2.500 juízes, 2.000 promotores de justiça e 719 defensores públicos. Há, portanto, um defensor público para cada 62.238 habitantes, quando o número ideal deveria ser de um defensor para cada 10 mil habitantes.
A Constituição impõe aos Estados a obrigação de prover todas as comarcas com defensores públicos de modo proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população.
A omissão estatal em relação ao direito fundamental de acesso à Justiça é uma das causas da crise penitenciária que vivemos.
A ausência de uma Defensoria Pública estruturada e bem remunerada em grande parte das comarcas brasileiras simplesmente abandona a grande maioria dos réus à própria sorte no processo criminal e na execução da pena, em um sistema prisional superlotado, caótico e comandado por facções criminosas.
Além da defesa nos processos criminais e atuação na execução criminal, cabe aos defensores públicos fiscalizar presídios e centros de detenção provisória para verificar situações de insalubridade, tortura e outras violações a direitos humanos.
Nesse sentido, é louvável a atuação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que, mesmo com um quadro insuficiente, consegue atuar em todas as audiências de custódia nos locais onde possui unidades, oficia em todas as varas de execução do Estado e mantém uma política de atendimento a presos provisórios pioneira no País.
Contudo, mesmo diante de todo o esforço realizado pela instituição, a falta de investimento e estrutura permite que a defensoria esteja presente em só 43 municípios do Estado, dependendo de convênios para atuar no restante das comarcas.
Portanto, cremos que não seja possível uma solução efetiva para a crise penitenciária sem investimento real e permanente na estruturação da Defensoria Pública, pois, caso não seja concretizado o acesso à Justiça à população carcerária, continuaremos a presenciar a barbárie generalizada no sistema prisional.
LEONARDO SCOFANO, doutor em direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é presidente da Associação Paulista de Defensores Públicos (Apadep)
PAULO GUARDIA FILHO, diretor financeiro da Apadep, é defensor público e atua na Vara de Execuções Criminais da comarca de Itaquaquecetuba (SP).